Quando ouvimos a palavra “monogamia” por cá, logo vem à cabeça a boda na aldeia, o arroz atirado à porta da igreja e a tia Céu a dizer que “quem casa quer casa“.
Mas será mesmo que o “até que a morte nos separe” ainda encaixa na vida de 2025, feita de contratos precários, rendas a preços de Lisboa-Centro e swipe eterno no telemóvel?
Vivemos num país que se diz maioritariamente católico, mas onde a maioria dos casamentos já é civil e o divórcio se faz online num instante. Ao mesmo tempo, a pressão familiar continua a rondar as datas festivas, o custo de vida empurra casais a partilhar casa cedo demais e a realidade social já não cabe na caixa do “para sempre“.
Resumindo: está tudo em mutação, e a dúvida sobre a monogamia deixou de ser conversa de filósofo para ser tema de mesa-de-café em qualquer freguesia.
Porque vale a pena ler até ao fim?
- Entender as raízes históricas da monogamia no nosso país.
- Ver números reais sobre divórcios e uniões de facto, sem lenda urbana.
- Comparar prós e contras emocionais entre monogamia vitalícia e relações flexíveis.
- Perceber como a carteira (e o custo da renda) mexe no amor.
- Descobrir a força da pressão familiar — e estratégias para não enlouquecer.
1. Tradição histórica ou construção recente?
A pergunta parece saída de conversa de café, mas é bem séria: é a monogamia, tal como a conhecemos cá no burgo, um costume ancestral ou uma invenção moderna empurrada pela Igreja e pela telenovela?
Responder ajuda-nos a perceber porque tanta gente sente que “o para sempre” é obrigatório, mesmo quando o coração já pôs as malas à porta. Se queremos escolhas amorosas mais livres, convém descascar este mito até ao caroço.
Até ao século XV, muitos casamentos em Portugal eram selados sem padre, só com promessa perante vizinhos.
Do séc. XIII em diante, três forças deram empurrão à monogamia vitalícia:
- Igreja católica – a partir do Concílio de Trento (1563) o matrimónio passou a sacramento “indissolúvel“.
- Direito canónico – proibia o divórcio; só a anulação salvava, e era caríssima.
- Moral rural – com terras pequenas, herdar para vários cônjuges era confusão garantida.
Resultado? A ideia de “um só parceiro até à morte” colou-se à pele como bacalhau na consoada.
Mas o filme mudou depois:
- Primeira República (1910) introduziu divórcio civil.
- Estado Novo apertou outra vez, mas o 25 de Abril de 1974 devolveu liberdade.
- Hoje temos uniões de facto, casamento igualitário e facilidade de divórcio online.
Apesar disso, a pressão cultural continua forte. Anúncios de Dia dos Namorados, catequese, e até a sogra repetem a lenga-lenga do foram felizes para sempre. É tradição embrulhada em marketing!
Então, tradição ou invenção? Um bocadinho dos dois. Há séculos que se pratica casal único, mas o “vitalício sagrado” foi reforçado por interesses religiosos, económicos e políticos.
Quando conhecemos a história, ganhamos margem para perguntar: “Serve-nos este modelo ou há alternativas que nos façam mais felizes?“
Agora que já vimos de onde veio o “para sempre“, vamos espreitar se ele está a cair de moda. No próximo capítulo, mergulhamos nos números de divórcios e uniões de facto em Portugal.
2. O declínio do modelo vitalício?
No café, toda a gente tem opinião, mas os números é que mandam a boca final. Perceber se o “até que a morte nos separe” está a perder força é vital para quem pondera casar, morar junto ou, vá lá, manter-se solteiro(a) e sossegado(a).
Se o divórcio virou rotina e a vida a dois sem papel passado cresce, talvez o ideal romântico que nos venderam esteja meio gasto. Olhar para as contas ajuda-nos a fazer escolhas mais claras e menos culpadas.
Antes de 1975 quase não havia divórcios em Portugal porque eram proibidos pela lei do Estado Novo.
Divórcios: mais comuns, mas a abrandar
- Em 2023 desfizeram-se 17.430 casamentos, menos 1 034 do que em 2022.
- A taxa bruta de divórcio caiu de 1,8 para 1,6 divórcios por mil habitantes.
- Mesmo assim, Portugal continua no “top” europeu em separações por 100 casamentos.
Uniões de facto: um milhão a viver junto sem altar
- Censos 2021 contavam 1.008.604 pessoas em união de facto. Um salto de 38% face a 2011.
- Hoje, cerca de 11% da população adulta escolhe este modelo.
- Regiões campeãs: Algarve (15,5 %) e Área metropolitana de Lisboa (14 %).
Porquê esta preferência?
- Custos — casar é caro, divorciar mais ainda.
- Flexibilidade — sair da relação sem tribunal.
- Menos pressão familiar — avós já não desmaiam se o neto “vive junto“.
Então, está o “para sempre” a acabar?
Os dados mostram três pistas:
- Monogamia vitalícia encolhe, mas não sumiu: muita gente ainda quer o anel e a boda.
- Modelo misto: casais vivem juntos, têm filhos, e só mais tarde decidem (ou não) casar.
- Geração Z encara divórcio e união de facto com naturalidade: “mais vale feliz e separado do que preso e zangado“.
No fundo, o amor continua, mas o contrato é cada vez mais à medida.
Em alta entre os leitores:
Se os números assustam, ou aliviam, falta saber o que isso faz à cabeça e ao coração. Na próxima seccção vamos pesar, sem balança de cozinha, as vantagens e desvantagens psicológicas da monogamia vitalícia versus relações flexíveis.
3. Vantagens e desvantagens da Monogamia vitalícia vs. relações flexíveis
Quem nunca se perguntou se é melhor ficar “preso” a um único par ou abrir o jogo e partilhar o baralho? A resposta faz diferença na cabeça, no coração e, convenhamos, até no saldo da farmácia em ansiolíticos.
Num país onde a sogra ainda pergunta “então quando é o casamento?“, perceber o peso mental de cada modelo ajuda-nos a dormir descansados, com uma pessoa ou com várias almofadas.
Só 3–7% dos adultos vivem hoje relações abertas, mas 25% já brincaram fora de portas em algum momento da vida.
Monogamia vitalícia: conforto ou tédio?
| Pontos a favor | Pontos contra |
| Segurança emocional — saber com quem contamos quando o Benfica perde. Estabilidade para criar filhos — um teto, menos logística. Reconhecimento social — ninguém nos chama malucos. | Rotina — pizza de quarta-feira vira rebuçado sem sabor. Expectativas irreais — pedir que o mesmo parceiro seja amante, amigo e terapeuta. Saída difícil — divórcio dói na carteira e no orgulho. |
Relações flexíveis: liberdade ou confusão?
| Pontos a favor | Pontos contra |
| Variedade — novas experiências sem precisar espiar o telemóvel. Aprendizagem — comunicação afiada, ciúme falado, não engolido. Autonomia — cada um gere o seu tempo, o seu corpo, o seu swipe. | Gestão de agendas — quatro Netflix, zero tempo. Estigma social — vizinha acha que é devassidão. Ciúme — não some; só muda de cor, exige conversa constante. |
Experimenta dizer “somos poliamor” num jantar de família e conta quantos talheres caem no prato!
Cabeça fria, coração quente
Pesquisas da Journal of Sex Research indicam que a qualidade da comunicação pesa mais na felicidade do que o modelo em si. Ou seja:
- Monogamia feliz precisa de conversa, surpresa e liberdade de ser quem se é.
- Relações abertas felizes precisam das mesmas coisas + regras claras sobre onde, quando e com quem.
No fim, não há receita única; há escolhas informadas e respeito mútuo.
Seja qual for o caminho, o mais tóxico é o silêncio e a vergonha.
Falámos de cabeça e coração, mas o bolso manda muito. Na próxima paragem vemos como a precariedade laboral e o custo de vida em Portugal mexem com o amor, e com o contrato ou sem ele.
4. Precariedade económica e custo de vida
Perguntar “o dinheiro mexe no amor?” é como questionar se bacalhau sem sal sabe bem: claro que sim! Quando o salário mínimo é 870€ e a renda mediana de um contrato novo chega aos 8,22€/m², cada namoro faz ginástica olímpica à carteira.
Some-se a taxa de desemprego jovem perto dos 22% e percebe-se porque tanta gente adia o casamento ou prefere juntar-se sem papel assinado: o bolso está sempre a pedir SOS.
Entender este aperto é vital para saber se a monogamia vitalícia é escolha do coração… ou do extrato bancário.
6 em cada 10 jovens empregados têm contratos precários? Isto faz de Portugal um dos campeões europeus da insegurança no trabalho.
Quando o trabalho é frágil, o par também abana:
- Planos em pausa — sem contrato estável, casar ou ter filhos parece maratona sem ténis.
- Dependência familiar — muitos casais continuam a viver com os pais, o que põe sogras e sogros no meio da conversa a dois.
- Stress crónico — contas apertadas engordam discussões por ninharias (“quem gastou o último café?“).
Mas há quem veja vantagem: dividir custos em união de facto dá desconto na renda e na luz. Se acabar mal, o divórcio não leva metade do ordenado.
Se o emprego mete medo, a casa mete pavor:
- Grande Lisboa cobra 13€/m²; um T2 de 70 m² passa fácil dos 900€ por mês.
- No interior alivia, mas falta oferta; muitos casais ficam “presos” à terra onde existe trabalho.
- Resultado prático:
- Casas partilhadas com amigos viram norma.
- Casais aceleram a coabitação só para não pagar dois quartos.
E o amor nisto tudo?
Quando o orçamento range, a monogamia vitalícia pode servir de seguro logístico (“dois ordenados, uma renda“). Mas também cria dilema:
- Ficar por depender ou sair e empobrecer?
- Casar para pagar menos IRS ou adiar para não pagar festança?
No fim, cada casal pesa coração, cabeça e carteira. O importante é escolher de olhos abertos. O resto são vozes de quem não paga as nossas contas.
Mesmo que o bolso deixe, há ainda o peso da tradição. No próximo (e último) capítulo veremos como a religião e a família em Portugal continuam a soprar “o casamento é para sempre“, e o que isso faz ao casal.
5. O Peso do “casamento para sempre“
Há quem diga que em Portugal a aliança é quase tão sagrada como a roda do pastel de nata. Mas será mesmo assim?
Entender se a família e a religião ainda empurram os casais para o “até que a morte” é crucial: quem se sente apertado por expectativas alheias pode tomar decisões que não lhe servem, e depois paga a prestação emocional (e bancária) durante anos.
Por isso, perguntar “de onde vem esta pressão?” é meio caminho andado para desligar o megafone da tia-avó e seguir a vida ao nosso ritmo.
80% dos portugueses disseram-se católicos, embora a prática regular seja muitíssimo menor.
Nos dias que correm, o peso da Igreja já não é o de antigamente, mas continua a contar.
- Casamentos católicos em queda: em 2023, só 23% dos enlaces foram religiosos; 76% fizeram-se no civil.
- Cerimónia = convicção: responsáveis do CPM garantem que, quem hoje escolhe a Igreja, fá-lo com muita convicção, não por obrigação.
- Católicos não-praticantes: a maioria declara fé, mas vai pouco à missa; a norma social perde força fora dos domingos.
O Vaticano continua a chamar Portugal país católico, mas os sociólogos lembram que apenas 15% dos fiéis aparecem à missa todos os fins-de-semana.
A família, essa, é como a chuva em Abril: quando menos se espera, cai.
Pressões típicas:
- “Quando é o casamento?“: ronda obrigatória no Natal.
- Herança emocional: pais divorciados temem ver os filhos repetir o filme.
- Imaginário de sucesso: boda, casa, netos. O “combo completo“.
Mas há mudanças no ar:
- Jovens com emprego precário adiam boda sem culpa, pois os próprios pais veem a fatura.
- Redes sociais normalizam solteirice, poliamor e divórcio sem drama.
- Psicólogos aconselham a não ceder a expectativas, e a malta começa a seguir o conselho.
Então, o “casamento para sempre” ainda manda?
- Sim, se queres: a Igreja continua disponível e as famílias celebram com pompa.
- Não, se não queres: mais de três quartos dos casais casam no civil (ou nem isso) e o divórcio online faz-se em três cliques.
- Meio-termo: cada vez mais portugueses moram juntos, criam filhos e só depois decidem se lhes apetece altar, ou não.
Conclusão simples, para quem só fez o básico: a pressão existe mas já não é algema; hoje, quem fica é porque escolhe ficar. E se não escolhe… há mundo lá fora e a tia-avó acaba por se habituar.
Perguntas frequentes
- A monogamia é obrigatória por lei em Portugal?
Não. A lei só impede casar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Mas viver relações abertas, poliamor ou união de facto é legal, desde que tudo seja entre adultos e consentido. - União de facto dá os mesmos direitos que casamento?
Dá vários (proteção na casa comum, pensão de sobrevivência, IRS conjunto), mas não todos: herdades e nome de família, por exemplo, exigem casamento civil ou testamento. - Quanto custa divorciar-me?
Se ambos concordarem e não há filhos menores: cerca de €280 em conservatória. Com litigância ou partilhas grandes, o valor sobe: advogados e custas incluídos. - Relação aberta funciona mesmo ou é moda de internet?
Funciona para quem gosta de negociar regras claras e falar sobre sentimentos. Dá trabalho, mas pode oferecer variedade e autonomia. Se comunicação falha, vira sarilho rapidinho. - O que fazer quando a família pressiona para casar?
Respira fundo, sorri e responde: “Estamos a ver o que é melhor para nós.“. Depois muda de assunto. Lembra-te: a vida é tua, a fatura da boda também. - Existe idade certa para casar?
Não. A média nacional está nos 34 anos para homens e 32 para mulheres, mas há casais felizes que juntam trapos aos 20 ou aos 60. O relógio é interno, não social. - Posso receber abono de família vivendo em união de facto?
Sim. Basta provar residência comum há pelo menos dois anos (ou menos se tiverem filhos). A Segurança Social aceita certidão de junta de freguesia ou contrato de arrendamento conjunto. - Como lido com ciúme numa relação poliamorosa?
Três passos básicos: Identificar – percebe de onde vem o ciúme. Comunicar – fala antes de explodir. Ajustar acordos – horários, atividades ou limites, conforme necessário. - É verdade que casais com filhos divorciam-se menos?
Estatisticamente, sim, mas a diferença encolhe. Muitos casais continuam juntos “pelos miúdos“, mas os tribunais e a sociedade já não veem o divórcio como falhanço total. - Tenho fé católica; posso viver união de facto sem culpa?
Isso depende da tua consciência. A Igreja recomenda casamento sacramental, mas cada vez mais padres promovem diálogo em vez de condenação. Fala com o teu pároco, ou com o teu coração, e decide.

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